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Os Paralelos entre Pamela e Entre a Razão e o Desejo

Atualizado: 19 de jul. de 2023





Samuel Richardson, o escritor queridinho de Jane Austen


pintura de Samuel Richardson, autor de Pamela
Samuel Richardson por Joseph Highmore - Domínio Público

Samuel Richardson (1689-1761) foi um escritor e editor inglês conhecido por suas obras epistolares. Teve uma infância pobre e trabalhou como típografo em parte de sua vida. Publicou seu primeiro romance, Pamela ou Virtude Recompensada, em 1740. A obra é muitas vezes citada como o primeiro romance nos moldes modernos da literatura e ditou o estilo de livros futuros.


Ao que consta, Austen foi uma grande admiradora de Richardson. A obra do autor teve influência em seus trabalhos como afirma o sobrinho de Austen, Henry:




citação de Henry Austen


primeira página de Pamela, Samuel Richardson
Primeira página da edição de 1741 de Pamela - Domínio Público

Logo na primeira página de Pamela, o escritor anuncia que a obra foi publicada "com o intuito de cultivar os princípios da virtude e da religião na mente de JOVENS DE AMBOS OS SEXOS".


Nas mais de 500 páginas, o leitor se deparara com uma trama epistolar que expõe a troca de cartas entre Pamela e seus pais.


Pamela trabalha para a Sra. B. Com a morte de sua empregadora, a jovem criada vê sua vida mudar. O filho da Sra. B, - mencionado no livro apenas como Sr. B - regressa à casa da mãe e passa a assediar Pamela, disposto a seduzi-la a qualquer custo.





Pintura de Pamela e o Sr. B na Summer House. Joseph Higmore
Pamela e o Sr B. em Summer House, por Joseph Highmore (c. 1744), Joseph Highmore. Fitzwilliam Museum, Cambridge

Retratada como uma mocinha ingênua e submissa, Pamela resiste às investidas incansáveis de seu novo patrão, enquanto relata nas cartas enviadas aos pais os temores à própria virtude.


Mesmo após ter sido mantida em cárcere privado e quase ter tido a inocência roubada (leia-se, estupro), Pamela mantém-se submissa às ordens do Sr. B por sua posição como criada na casa.






Quem pode, manda. Quem tem juízo, obedece



Sendo Pamela de uma posição inferior, O Sr. B reluta em se casar e fica ressentido com a recusa da moça em aceitar suas atenções quando qualquer outra teria se sentido nas nuvens com a oportunidade de ter um homem rico a seus pés que melhorasse sua condição de vida (que maravilhosa proposta, Sr. B!). O que era uma mera criada em 1740? Absolutamente nada!


Para ler Pamela é necessário despir-se de qualquer conceito feminista do século XXI. A intenção de Richardson não é contar uma história de amor e sim abordar a proteção da virtude a qualquer custo. A paixão ardente, desenfreada e desmedida é abordada através do conceito patriarcal, típico da época.


O autor também oferece um recorte da sociedade em que os criados eram considerados seres inferiores e os patrões vistos como deuses e comandantes supremos da casa. O respeito cego e absoluto é demonstrado em vários momentos durante a leitura (talvez uma crítica que reflete as origens humildes de Richardson?).


Nesta passagem em particular, Pamela reflete sobre o orgulho que os nobres e ricos sentem de seus nomes e posses sendo que jamais fizeram qualquer coisa de relevante na vida. O mérito, portanto, seria de seus antepassados. A reflexão vai além: Pamela escreve aos pais como parece insensato que os criados se orgulhem de trabalhar em casas abastadas:


trecho de Pamela, Samuel Richardson

Note os destaques que Richardson coloca nas palavras "nós mesmos", "ancestrais" e "próprios", que parecem refletir suas opiniões pessoais.



Bela, recatada e do lar


ilustração de Pamela, Samuel Richardson, na passagem do livro em que Pamela desmaia

Depois de ser perseguida e assediada das maneiras mais abomináveis possíveis, Pamela tenta fugir e acaba seriamente ferida. Nesta altura, o Sr. B percebe que a ama e a quer como sua esposa - a despeito de sua posição social e a perda de prestígio que enfrentaria. Com ares de mocinho arrependido, ele reconhece sua vilania e pede perdão à Pamela. Os dois terminam o livro casados e felizes (tenho dúvidas no felizes).


A mensagem ao final da leitura é clara:

Mantenha-se casta, ainda que tentem corrompê-la, e você terá a virtude recompensada com o casamento.



As semelhanças e diferenças de Pamela e Entre a Razão e o Desejo



Imagem de Jake e Ellie, Entre a Razão e o Desejo, prestes a se beijarem
Jake e Ellie sendo lindos e cheirosos

Quando a Ellie surgiu nos meus pensamentos como uma personagem principal, ela me sussurrou detalhes da sua vida que em muito se assemelhavam à Pamela do Richardson (na época, eu ainda não havia lido a obra do escritor inglês). Ambas eram religiosas e apegadas à fé cristã com fervorosa adoração; almas bondosas, submissas e que ocupavam posições semelhantes na sociedade.


Depois de ter sido apresentada à Pamela, foi impossível não enxergar as similaridades entre as histórias. No entanto, ao contrário da trama do Richardson, meu enredo giraria em torno do amor impossível (ou quase impossível) entre uma criada e um nobre.


O Sr. B tentou, a maior parte do livro, corromper a Pamela e forçar suas atenções à ela. Ele era orgulhoso, mesquinho, arrogante, vilanesco, abusador e outros adjetivos nada lisonjeiros.


Por outro lado, o Jake sempre amou a Ellie e a tratou com respeito. A decisão de entregar-se a ele foi dela. Somente dela.


Assim como a Pamela, a Ellie se manteve fiel aos ensinamentos cristãos até a última linha. Mas quando confrontada com a razão ou o desejo, escolheu a ruína - ainda que acreditasse estar condenando sua alma ao inferno.


Um dos meus objetivos ao contar a história do Jake e da Ellie foi o de ilustrar como a sociedade da época opunha-se aos relacionamentos entre classes sociais tão distintas. Richardson me forneceu material suficiente para estabelecer a base da minha trama. Sua obra retrata, com maestria, a visão da classe trabalhadora (e sua submissão aos superiores) e a prepotência dos nobres e abastados.


Quando o Jake pede a Ellie que seja sua amante, estava apenas reagindo à única possibilidade que um cavalheiro em sua posição enxergaria como alternativa a não ter a mulher amada ao seu lado. Sua atitude, que nos dias atuais poderiam ser interpretadas como frieza e desamor, apenas refletiu o pensamento da época. Pensamento esse que a Ellie tão bem compreendia.



Curiosidades



- Quando os aldeões de Slough leram sobre o casamento de Pamela no jornal, tocaram o sino da igreja em comemoração.


- Comentário de Samuel Richardson sobre Pamela:


“Achei que [se Pamela fosse] escrita de maneira fácil e natural… [ela] possivelmente introduziria uma nova espécie de escrita, que possivelmente transformaria os jovens em um curso de leitura diferente da pompa e desfile da escrita de romances”


- Em Entre a Razão e o Desejo, enquanto Jake e Ellie passeiam pelos jardins de Vauxhall Gardens, eles se deparam com uma pintura de Francis Hayman retratando uma passagem de Pamela. Jake explica a Ellie sobre a história e a pintura, comparando a si mesmo, em pensamento, com o abominável Sr. B.


ilustração de Pamela, Samuel Richardson, mostrando Pamela, a Sra. Jarvis e o Sr. B
Pintura vista pelo Jake e pela Ellie - Francis Hayman, domínio público

" — O que tem a dizer sobre essa tela, milorde? Há duas mulheres na cena e... — Ellie aproximou o rosto da pintura e lançou um rápido olhar a Jake antes de voltar a observar o quadro com atenção. — Um homem escondido atrás da cortina? A mais jovem das mulheres está apontando para uma pilha de panos embaixo da mesa. Sua expressão não parece muito feliz.


Por algum motivo, Jake se sentiu incomodado com a pergunta. Talvez porque poderia estar na pele do Sr. B se não tivesse qualquer escrúpulo. Inconscientemente, afrouxou a gravata ao redor do pescoço.


— Conhece a história de Pamela escrita por Samuel Richardson? Ellie meneou a cabeça. — A Sra. Weeton realizou a leitura no salão dos criados, mas eu era apenas uma menina na época. Receio que a pouca idade não permitiu que a história cativasse o meu interesse. Jake apontou para a mulher mais velha retratada no quadro. — Esta é a governanta, Sra. Jervis. — Indicando a outra mulher na pintura, acrescentou: — E esta é Pamela. As duas trabalhavam para Lady B. Após a morte desta, seu filho herdou a propriedade e passou a assediar Pamela para que se entregasse a ele. Uma de suas estratégias foi presenteá-la com as roupas que haviam pertencido à sua mãe. Se não estou enganado, a pintura retrata a passagem em que Pamela confidencia à governanta seu desejo de retornar para a casa dos pais, pois teme por sua virtude. O Sr. B está ouvindo a conversa, escondido atrás da cortina.


Ellie circundou os braços ao redor do corpo em um gesto inconsciente de proteção.


Uma criada. Um patrão nobre.


Não imaginava como a história terminava, mas o Sr. B não parecia digno de confiança."


 

Fontes:



Imagens:

- Capa da edição de Pamela publicada pela editora Martin Claret - divulgação - Pamela desmaiando depois de ter descoberto o Sr. B no armário. Ele (assustado) tentando reanimá-la. A senhora Jervis torcendo as mãos e gritando. De uma série de doze ilustrações para Pamela de Samuel Richardson (1745, 2ª edição). - Samuel Richardson por Joseph Highmore - Domínio Público - Primeira página da edição de 1741 de Pamela - Domínio Público

- Pamela e o Sr B. em Summer House, por Joseph Highmore (c. 1744), Joseph Highmore. Fitzwilliam Museum, Cambridge

- Ilustração de Francis Hayman, domínio público




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